A produção nacional de cereais para panificação entrou em decadência nos anos 80, consequência da entrada de Portugal na Comunidade Europeia. A produção passou a obedecer às normas da PAC, e, apesar das ajudas, a sua cultura tornou-se menos atrativa, com substanciais reduções na área cultivada. Esta tendência manteve-se até aos dias de hoje, com níveis de autoaprovisionamento de cereais muito baixos. O contexto atual da subida de preços dos cereais, fertilizantes e energia, as disrupções no abastecimento de cerais provocadas pelas crises políticas nos países produtores, e o impacto da seca e das alterações climáticas, colocam em evidência a necessidade do investimento em estratégias que visem o aumento da produção e da capacidade de autoabastecimento.

A qualidade do pão foi também sofrendo um forte declínio. O mercado tem solicitado “pão barato e acabado de fazer” elaborado com farinhas refinadas, fermentações rápidas, sem as características sensoriais e o valor nutricional de outrora. Esta cultura alimentar empurrou o consumo para alimentos mais processados e mais baratos que, conjuntamente com o sedentarismo crónico, tem sido responsável pela pandemia da obesidade e pelo flagelo das doenças cardiovasculares. No passado, as populações de cereais tradicionais (centeio, trigo e milho), processadas de modo mais integral, com fermentações mais longas, imprimiam ao pão uma qualidade assinalável em termos nutricionais, de sabor e de capacidade de conservação. Contudo, este era vendido de forma indiferenciada e sem estratégia de mercado que valorizasse a sua qualidade intrínseca. Entretanto, nas grandes zonas urbanas, surgiram novas dinâmicas de oferta, com a instalação de padarias artesanais que começam a dar resposta ao aumento da procura por pão diferenciado.

Assim, com este projeto, pretende-se o desenvolvimento da cadeia de valor baseada numa agricultura sustentável e na utilização de cereais tradicionais, valorizando e salvaguardando o germoplasma e a agrobiodiversidade local, estabelecendo relações entre parceiros de produção, transformação (moagem e panificação) e comercialização. O objetivo é assegurar um produto diferenciado de elevada qualidade organolética e nutricional e que responda às novas tendências do mercado, para ser garantia de preferência de grupos de consumidores (o fim de linha da cadeia de valor). Globalmente, o projeto insere-se no âmbito da Estratégia Nacional para a Promoção e Produção de Cereais pois, vai ao encontro dos objetivos estratégicos de “reduzir a dependência externa, consolidar e aumentar as áreas de produção”, “criar valor na fileira dos cereais” e “viabilizar a atividade agrícola em todo o território”.

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Com este projeto pretende-se criar as bases para a revitalização da produção local de cereais em Portugal, e apoiar um processo de desenvolvimento de cadeias de valor baseado em sistemas alimentares territorializados e na utilização de germoplasma tradicional, estabelecendo relações entre a produção, transformação, comercialização e o consumo de produtos diferenciadores de qualidade. Pretende-se também ensaiar formas de viabilização da agricultura familiar através da construção de uma estratégia de diferenciação da produção (modo de produção biológica, utilização de variedades tradicionais, terroir). Esta passa pela utilização de novas abordagens ao mercado, alinhando a produção e a transformação com as novas tendências, construindo circuitos curtos e abordando mercados de qualidade, e o desenvolvimento de estratégias de educação e de comunicação.

Ao nível dos conceitos, o projeto explora as ideias de sistema de inovação social e de retro inovação, tendo como pressuposto que, no domínio da agricultura e desenvolvimento rural, é possível criar conhecimento revisitando práticas passadas e inovar com base na compreensão técnica e científica dessas práticas. A inovação social remete-nos para soluções que criam prioritariamente valor para a sociedade e não para os indivíduos isoladamente (Phills, Deiglmeier & Miller, 2008). A noção de retro inovação, proposta por Stuiver (2006) e recentemente desenvolvida por Zagata et al. (2020), é conceptualizada como uma redescoberta ativa de conhecimento marginalizado e frequentemente esquecido que combina práticas do passado e do presente e reconfigura esses elementos para a produção de novas e futuras finalidades. Neste caso concreto, ao aumentar o conhecimento sobre populações tradicionais de cereais, o projeto pretende encontrar formas modernas para o seu aproveitamento e valorização, que possam ter impacto visível na sustentabilidade ambiental dos sistemas de produção agrícola, no rendimento dos agricultores e na qualidade da alimentação.

Ao nível metodológico ressalta-se a implementação colaborativa do projeto, com a participação de atores de todos os níveis da cadeia de valor e de investigadores de diferentes áreas científicas (Ambiente, Agronomia, Ciências Sociais e Humanas, Química Alimentar e Nutrição), com ênfase num processo de investigação partilhado por todos, que extravasa o domínio puramente científico para incluir as visões e preocupações dos profissionais do setor. Esta abordagem sistémica, tal como referem Alrøe and Kristensen (2002), constitui a base de uma investigação holística, sensível à complexidade dos sistemas alimentares. Ao nível dos resultados, o projeto cobre uma vasta panóplia de aspetos relacionados com a produção, a transformação e o consumo, permitindo uma visão integrada dos fatores que afetam a cadeia de valor dos cereais tradicionais e dos impactos de natureza sociocultural, ambiental, económica e institucional que o seu desenvolvimento poderá proporcionar.

Este projeto será desenvolvido explorando as relações e sinergias existentes entre populações tradicionais de cereais e as práticas sociais locais, fazendo uso dos conhecimentos, da tecnologia e do património local, nomeadamente práticas tradicionais de transformação e alimentares, e sua integração com as ciências e abordagens técnicas modernas.

O ponto de partida desta dinâmica é a identificação, a gestão e valorização de populações tradicionais atualmente mantidas por agricultores locais, sendo premente o seu estudo. Os critérios de seleção e melhoramento utilizados pelas instituições de I&D centram-se, muitas vezes, em aspetos meramente agronómicos, sobretudo os relacionados com características físicas das plantas e produtividade, e não as procuradas pelos mercados de qualidade. O carácter inovador deste projeto centra-se, sobretudo, nesta abordagem de toda a cadeia de valor de forma holística.

1 - Identificação de populações de cereais tradicionais com interesse económico a utilizar nas dinâmicas de produção diferenciada para mercados de qualidade para alimentação sustentável.

1.1. Levantamento de populações locais de trigo e centeio;

1.2. Recolha de informação sobre conhecimentos, tecnologia e práticas utilizadas na produção;

1.3. Identificação e registo de formas de consumo e transformação baseadas na tradição.

Instituto Politécnico de Bragança;

Instituto Politécnico de Coimbra;

Confederação Nacional da Agricultura (Representante do Centro de Competência da Agricultura Familiar e Agroecologia)

2 - Caracterização agronómica das populações de cereais antigos

2.1. Instalação de ensaios de multiplicação de semente com as populações identificadas em diferentes zonas agroecológicas e nas explorações de agricultores;

2.2. Caracterização das populações nas diferentes fases de desenvolvimento fenológico;

2.3. Identificação do(s) itinerário(s) técnico(s) a utilizar na produção de cereais no quadro de uma agricultura biológica e regenerativa (práticas, tecnologia).

Instituto Politécnico de Bragança;

Instituto Politécnico de Coimbra;

Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (Representante do Centro Nacional de Competências para as Alterações Climáticas do Sector Agroflorestal)

3 - Caracterização da aptidão das populações de cereais para transformação

3.1. Caracterização genética das populações identificadas e comparação com variedades tradicionais existentes;

3.2. Análise às características da farinha;

3.3. Ensaios de panificação e de outros transformados identificados;

3.4. Desenvolver metodologias de autenticidade dos produtos;

3.5. Introduzir medidas de rastreabilidade na cadeia de valor a desenvolver.

Instituto Politécnico de Bragança;

Instituto Politécnico de Coimbra;

Instituto Politécnico de Leiria;

Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.

Moagem Duarte e Amélia

4 - Organização de comunidades de gestão de agrobiodiversidade visando a estruturação (horizontal e vertical) de cadeias de valor dos cereais tradicionais

4.1. Sessões de informação e de organização com produtores de cereais tradicionais (germoplasma, tecnologia, modo de produção);

4.2. Sessões de informação e organização com transformadores (tecnologia, moagens, panificadoras, outros atores);

4.3. Formação em produção de cereais tradicionais em modo de produção biológico;

4.4. Visitas cruzadas aos ensaios de produção de sementes;

4.5. Visita a Espanha (cooperação com a Universidade de León), a dinâmicas de desenvolvimento de cadeias de valor de cereais tradicionais, destinada a investigadores, técnicos das associações, agricultores e outros operadores da cadeia de valor;

4.6. Desenvolvimento de trabalho em rede (com o apoio do Centro de Competências de Agricultura Familiar e Agrodiversidade).

Instituto Politécnico de Bragança;

Instituto Politécnico de Coimbra;

Confederação Nacional da Agricultura

5 - Identificação de estratégias de mercado que integrem as dinâmicas de produção, transformação, comercialização e de consumo

5.1. Realização de estudo de mercado.

Instituto Politécnico de Bragança;

Instituto Politécnico de Leira;

Instituto Politécnico de Coimbra;

Cascais Ambiente.

6 - Informar, formar e educar para o consumo de cereais tradicionais e alimentação sustentável. 6.1 - Campanhas de comunicação e sensibilização presenciais e digitais;

6.2 - Ações de formação para estudantes e profissionais do ramo da hotelaria/restauração;

6.3 - Criação e dinamização de comunidades de consumidores para uma alimentação sustentável.

Instituto Politécnico de Coimbra;

Instituto Politécnico de Leiria;

Confederação Nacional da Agricultura

Cascais Ambiente;

New Organic Planet.