O uso de antimicrobianos (UAM) é necessário para assegurar a saúde humana, animal e vegetal. Os microrganismos que compõem os diversos microbiomas respondem através de mecanismos de resistências atualmente bem estudados. Está estabelecido que as resistências aos antimicrobianos (AM) se tornaram uma ameaça com graves consequências para a vida e saúde humana e animal e os ecossistemas (ambiente). Importa, portanto, fazer a melhor utilização possível de antimicrobianos para preservar a saúde humana e animal com o menor impacto possível na geração de resistências antimicrobianas (RAM).

As organizações internacionais ligadas à saúde WHO, OIE e FAO, identificaram esta como sendo uma ameaça grave e de contornos complexos, tendo elegido a abordagem “Uma Saúde” como a adequada para atacar e mitigar o problema que a emergência de RAM coloca. A Comissão Europeia definiu Estratégia Uma Saúde para 2016 e, em conjunto com as agências do medicamento (EMA) e da segurança alimentar (EFSA) têm realizado estudos, financiado investigação e adotado diversas medidas para concretizar essa mesma estratégia. O documento estratégico da Comissão “Green Deal” na sua estratégia Farm to Fork estabeleceu metas europeias para a redução do uso de antimicrobianos até 2030 como uma das prioridades centrais para produção pecuária.

A imposição oficial de reduzir o UAM na produção pecuária requer o desenvolvimento de sistemas de monitorização dos consumos nas explorações, passa pelo reforço das restrições na prescrição e requer a implementação de programas eficientes de melhoria da saúde e bem-estar animal na produção animal. Os produtores e os médicos veterinários necessitam, cada vez mais, de instrumentos de apoio à decisão em diversos aspetos que vão das decisões ligadas com as instalações e ambiente das explorações até decisões associadas com tratamentos e programas de maneio e alimentação. Decisões acertadas em todas estas dimensões permitirão otimizar a eficiência de saúde e da produção e contribuirão para reduzir o UAM. O regulamento 2016/429 prevê que os produtores têm a obrigação de fazer um uso prudente e responsável dos medicamentos antimicrobianos.

O consórcio que se apresenta reunido neste projeto reúne os setores da produção de carne de suíno e de leite de bovino que representam cerca de metade do valor da produção animal nacional. Contribuem com 22% e 24%, respetivamente, dos cerca de 3 mil milhões de euros da produção animal portuguesa e esta, por sua vez, representa sensivelmente 40% da produção agrícola total. Portugal tem o quarto consumo mais elevado de AM na União Europeia (atrás apenas da Croácia, da Itália e da Polónia) e apresenta-se entre os que mais substâncias do grupo B AMEG consome, em proporção, o que é preocupante. Os suínos e os bovinos (os de carne e os de leite) consomem quase 60% dos AM administrados em Portugal a animais de produção. Entendemos que o consórcio reunido neste projeto representa uma parte muito relevante da cadeia de valor em termos económicos e da UAM que representa o problema.

Para atingir os objetivos nacionais e comunitários de redução sustentada e utilização mais cuidadosa de antimicrobianos na produção pecuária é preciso que existam disponíveis meios de apoio à decisão que auxiliem os médicos veterinários e os produtores a fazerem uma profunda mudança nas práticas atuais, alicerçada no controlo da saúde e bem-estar dos efetivos animais sob o seu controlo. A prevenção e controlo adequados da saúde e bem-estar animal são essenciais para se conseguir atingir as metas de redução.

Pretendemos com o projeto apresentado neste consórcio:

i)                 Conceber, validar e implementar um sistema integrado de apoio à decisão, assente numa plataforma disponibilizada em vários formatos na WEB aos médicos veterinários prescritores e aos produtores. Os conteúdos permitirão sustentar o apoio à decisão relativamente ao UAM nas suiniculturas e nas boviniculturas de leite, através da disponibilização de indicadores relevantes de consumo de AM, de saúde e bem-estar animal e de biossegurança, todos em tempo real. Serão desenvolvidas as interfaces para a captura e entrada dos dados e também as interfaces com relatórios interativos sua disponibilização em web, através de qualquer de tipo de plataforma, telemóvel, tablet e computador por todos os parceiros, cada um com os níveis de acesso respetivos. A DGAV fornecerá dados dos consumos de antimicrobianos prescritos através da receita eletrónica e a ANABLE fornecerá dados de produção e de saúde das explorações leiteiras. A plataforma devolverá a ambas as entidades informação que será usada nas suas atividades.

ii)                Conceber, validar e implementar um sistema de boas práticas destinado aos médicos veterinários prescritores e aos produtores para promover a redução do uso e a utilização responsável de antimicrobianos nas explorações de suínos e explorações leiteiras, sustentado em planos personalizados de saúde e bem-estar animal.

iii)              Conceber e validar um sistema para reduzir o uso de antimicrobianos nas explorações dos setores abrangido pelo projeto. Formar os médicos veterinários e produtores na utilização deste sistema, no uso da plataforma referida em i) e nas boas práticas referidas em ii). Desenvolver conteúdos de capacitação que possam ser utilizados posteriormente na generalização, a nível nacional, do sistema aos produtores dos dois setores referidos.

iv)              Pretende-se disponibilizar ao parceiro DGAV informação relevante que contribua para a definição das políticas de redução de UAM e avaliação dos impactos respectivos, no contexto das obrigações e compromissos europeus do Estado Português.

v)                Implementação de um sistema de monitorização do desenvolvimento de resistências a antimicrobianos nas explorações que permita acompanhar a evolução destas ao longo do tempo e relacioná-las com o perfil de antimicrobianos usados.

vi)              Produção de conhecimento e sistemas de monitorização sobre efeitos na saúde dos animais de tipos de dieta específicos e da dinâmica das condições ambientais das explorações.

Assentes na mesma plataforma serão desenvolvidas duas linhas de atividade destinadas especificamente uma ao setor dos suínos e outra ao setor dos bovinos leiteiros. A metodologia de projeto assenta em elementos comuns aos grupos envolvidos nas duas linhas de atividade, embora desenvolvidos de modo específico: i) recolha dados e tratamento de informação; ii) produção e validação de sistemas de boas práticas; iii) formação no funcionamento e uso desses sistemas; iv) criação de grupos focais (focus groups). A missão destes grupos é conceber e dinamizar planos de redução do uso de antimicrobianos em cada uma das explorações e atingir metas de redução concretas ao longo de três anos de trabalho, de forma a validar metodologias de trabalho escaláveis para os produtores do país.

No setor dos suínos são parte do consórcio a FPAS que federa as associações do setor representado a larga maioria do mesmo e a SCS que reúne os técnicos especialistas do setor. O projeto envolverá 20 a 25 explorações de suínos selecionadas por estes parceiros para representarem os diversos sistemas de produção. Serão envolvidos nas atividades do projeto os médicos veterinários responsáveis das explorações e os respetivos produtores ou os seus encarregados operacionais. No setor dos bovinos leiteiros, a FENALAC é parceiro do consórcio e, por seu intermédio, o projeto reúne as três maiores organizações de produtores do país: a Lacticoop, a Proleite e a Agros, esta última representada pela Segalab que é a empresa de saúde animal do grupo. Serão selecionadas 20 a 25 explorações leiteiras representativas do setor abrangendo o território nacional. Neste documento a referência à FENALAC implica o envolvimento das organizações do setor, referidas acima.

Os parceiros FeedInov e InovTecAgro contribuirão com o conhecimento necessário ao nível da avaliação das dietas alimentares e diversos impactos destas (FeedInov) e com a implementação de sistemas de monitorização das condições ambientais. Ambas as áreas são essenciais para o controlo da boa saúde dos animais e prevenção de doença, bem como monitorização e controlo de impacto ambiental.

Plataforma - Construção e manutenção ao longo de todo o projeto, de uma plataforma para recolha de informação relativa ao uso de antimicrobianos, à saúde e ao bem-estar dos animais, às condições de biossegurança, à alimentação utilizada e ao ambiente onde os animais são produzidos, bem outros dados importantes para compreender as razões do uso dos AM e monitorizar a sua dinâmica.

Responsável: ICBAS. Parceiros essenciais: DGAV, ANABLE. Parceiros: FeedInov, FPAS, SCS, FENALAC

Boas práticas - Desenvolvimento e validação dos instrumentos de capacitação dos médicos veterinários enquanto prescritores e responsáveis pela gestão da saúde e bem-estar e dos produtores enquanto gestores das explorações pecuárias e atores da implementação das medidas de saúde, terapêutica e registo de dados necessários ao sistema. Serão sistemas de boas práticas compostos por diversos protocolos de planificação de saúde e bem-estar e de uso. Serão também promovidas ações de educação para “uma só saúde” tendo como alvo a sociedade em geral, enquadradas no Plano de Comunicação a desenvolver.

Responsável: ICBAS. Parceiros essenciais: FeedInov, FPAS, SCS. Parceiros: FENALAC

Criação e dinamização de grupos focais - Criação de grupos focais de médicos veterinários e de produtores que permitam uma implementação adequada e completa e a avaliação de eficácia dos instrumentos elencados anteriormente. Estes grupos serão criados no início do projeto, separadamente para os suínos e os bovinos leiteiros e envolvem todos os médicos veterinários e todos os produtores.

Responsável: ICBAS. Parceiros essenciais: FPAS, FENALAC Parceiros: SCS, FeedInov, PMEs

Divulgação das ferramentas e capacitação dos médicos veterinários e dos produtores - Será definido um plano de capacitação continuada a médicos veterinários e a produtores ao longo do projeto. Esta incidirá sobre os temas de utilização responsável dos AM, sobre saúde e bem-estar animal e biossegurança e será concebida, com base nos materiais desenvolvidos e na experiência adquirida ao longo do projeto através dos grupos focais.

Responsável: ICBAS. Parceiros essenciais: FeedInov, FPAS, SCS. Parceiros: FENALAC

Monitorização das resistências a antimicrobianos - A monitorização da dinâmica e emergência de resistências antimicrobianas através do seu estudo em microrganismos indicadores e nos principais agentes patogénicos das explorações é essencial para se poder avaliar o impacto das medidas de alteração do tipo de moléculas antimicrobianas e a redução do seu uso nas explorações e para otimizar a resposta à terapêutica adotada. Será implementado em permanência um plano para o estudo das resistências a antimicrobianos nas explorações do projeto de modo a gerar conhecimento e evidência científica e técnica. Serão estudados microrganismos patogénicos mais prevalentes e causadores dos maiores problemas nas explorações e também bactérias indicadoras recomendadas pelos organismos internacionais de referência.

Responsável: ICBAS. Parceiros essenciais: INIAV. Parceiros: FPAS, SCS, FENALAC

Alimentação - A alimentação que os animais recebem, nas diversas fases produtivas é determinante para a boa saúde, a prevenção de doença eficiência produtiva e manutenção do bem-estar animal. Serão recolhidos dados detalhados sobre os regimes alimentares e avaliada a introdução de substâncias com efeito nutracêutico e sobre indicadores de saúde, sobrevivência e rendimento da produção.

Responsável: FeedInov; Parceiros essenciais: FPAS, SCS, FENALAC Parceiros: ICBAS

Monitorização ambiental - O ambiente em que os animais são mantidos é determinante para a boa saúde, a prevenção de doença eficiência produtiva e manutenção do bem-estar animal. Será implementado um sistema de monitorização ambiental da temperatura, humidade e gasimetria (CO2, CH4, NH3) nas instalações onde estão alojados os animais. Os dados são capturados e desenvolvidos sistemas de tratamento dos dados para produção de indicadores que auxiliem a decisão em tempo real nas explorações.